segunda-feira, 21 de abril de 2014

CONTOS,ENCONTROS E ENCANTOS DE CHARLOTTE TISSOU-CAPITULO 1

AUTORA-Bianca Vivas



Capítulo Um

E a vida vai mudar...

Seus fios eram pintados. Cada dia uma cor diferente. Rosa, azul e roxo eram as mais frequentes naquela juba recheada de padrões estranhos a este tempo moderno. Modelos incomuns naquele mar colorido. Uma aparência incerta, volátil, que a impedia de permanecer nos padrões estéticos inalteráveis de seus conhecidos e amigos.

Inconstante era também a dona do excêntrico cabelo: sua opinião acerca de tudo e todos e a suas certezas absolutas sobre o grande mistério da vida transformavam-se com a mesma velocidade das suas mudanças de humor, e estas iam e viam largadas à deriva, em constante mutação. Assim definia-se Charlotte: a pura e clássica incerteza do mundo mergulhada no brilho extraordinário da não monotonia.

Contudo ser instável, nos múltiplos sentidos do estado, cobrava um preço. As diferentes linhas de pensamento que circundavam a personalidade da garota tornavam simples conjunturas em épicos dramas à imagem de seus livros favoritos, complicando a mais corriqueira das decisões. Ainda assim ela enxergava certo prazer naqueles dragões que criava, porque Charlotte conseguia encontrar o melhor referencial, mesmo olhando do pior ângulo disponível. Ela tirava proveito desta faculdade e buscava convencer sempre os outros a agirem como ela, cativando as pessoas ao seu redor.

A sua irmã, no entanto, não simpatizavam com a atenção que Charlotte conseguia atrair para si recebia onde quer que fosse. Porém, o sentimento avassalador que, por vezes, invadia Clair não poderia ser chamado de inveja. Talvez ciúmes. Entretanto é mais prudente dizer que a menina simplesmente não enxergavam nada de especial na irmã mais nova. Acreditava que Charlotte era apenas alguém comum com exorbitantes necessidades de atenção.

Estava errada. Charlotte costumava, deliberadamente, renegar a popularidade. Ser conhecida significava ter suas ações manifestas e, para ela, isso a deixava exposta. Sentia-se nua quando olhos desconhecidos a observavam. Voltava a ser a garotinha frágil de fios negros que tanto lutou, secretamente, para reprimir. Corria novamente os mesmos riscos de quando acreditava que sempre existiria um Príncipe para as Cinderelas e que todas as Feras encontrariam suas Belas. No fim das contas, trazia à tona a ingenuidade que teimava não abandoná-la. Era frustrante.

Foi frustrante, inclusive, quando percebeu, pela primeira vez, que tais traços ainda estavam vivos em seu interior, esperando a hora de acordarem finalmente. Lembrava-se bem quando, em sua ânsia de explorar o abismo profundo das mentes alheias, decidiu, no alto de seus catorze anos, em pleno espaço de vinte e quatro horas, engajar-se numa liderança. Sabia ser boa em influenciar os pequeninos que habitavam a casa de sua querida avó materna e talvez este dom concedido também se manifestasse quando estivesse em presença de adolescentes barulhentos, rebeldes e irresponsáveis.

– Joane! Joane! – Gritou pela ex-melhor-amiga.

Era um dia ensolarado e fazia muito calor, como nunca fazia no final de junho, próximo a entrada de julho. Joane estava sentada na grama, uma lata de coca-cola nas mãos, os cabelos, lavados pelo sol, apresentavam um tom mais dourado do que realmente era e um punhado de crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental II a cercavam tentando descobrir o que ela anotara nas folhas que acabara de pôr na pasta azul que andava carregando para todos os lados.

- Ah... Olá, Cher! – Joane disse algo às crianças e levantou-se, indo em direção a Charlotte. – Essa garotada está me deixando louca... Mas diz aí, o que é que manda?

Charlotte observou a desenvoltura relaxada com que Joane falava e perguntou-se se estaria fazendo a coisa certa. Estava prestes a inventar uma desculpa qualquer e sair dali, entretanto, lembrou-se de algo que lera uma vez num livro, alguma coisa sobre não mudar de ideia quando estivesse prestes a pular de um avião. Decidiu ir frente.

- Então... Como estão os preparativos para o Le Défilé d’Ouverture? — a pronúncia de Charlotte saiu num perfeito francês, como se ela fosse originada naquela terra.

O ‘grande’ desfile de abertura era uma das apresentações mais esperadas do ano. Certamente a mais esperada dos Jogos Estudantis, um evento de três dias em que quatro equipes disputavam uma viagem de uma semana para uma ilha caribenha. O colégio era divido por séries, sendo que as maiores lideravam as menores, e a disputa era, geralmente, muito acirrada. Longas provas de resistência, inteligência e sorte que exigiam o melhor, não apenas de cada grupo, bem como de cada aluno. Definitivamente, os Jogos Estudantis do Instituto de Aprendizagem para Moços e Moças de Paris – ou simplesmente O Instituto - era um dos maiores espetáculos da cidade de Charlotte. E o Le Défilé d’Ouverture possuía a honra de abrir tal evento.

- Estão indo... – Joane respondeu evasivamente; parecia não querer falar sobre o assunto.

- Bom... Se precisarem de alguma coisa, ajuda com textos, músicas, ornamentações... – Charlotte sabia que iria se arrepender da proposta no momento em que viu o brilho iluminador que atingira o rosto de Joane quando começou a falar – Bem... Só queria que soubessem que eu estou aqui para ajudar. – E sorriu, já temendo a confusão em que iria se meter.

- Na verdade... – No inicio meio tímida, mas logo se soltando, a garota loura abraçou Charlotte e foi levando-a de volta para a sala de aula – Precisamos de muita ajuda sim! Aparece lá em casa por volta das três, é quando iremos começar a reunião. Leva a sua irmã também, ela pode ser útil.

- Hã... Tudo bem. E quem irá?

- Bom... – Joane começou a contar nos dedos os convidados para a reuniãozinha que provavelmente acabaria em festa, como sempre acontecia entre o pessoal popular do seu colégio. - A Rachel, a Carol, a Elizabeth... Andy... Carter... E Samuel! É... Acho que só eles.

- Samuel?! Samuel?! – Charlotte subiu a voz em tom, deixando-a esganiçada, sem intenção. – O Carter tudo bem, é o namorado da Rachel, mas o Samuel? Tem certeza de que o quer lá Jô?

- É claro! Ele é o nosso Príncipe, bobinha!



E Joane foi ao encontro dos amigos, deixando uma Charlotte estupefata no meio da sala vazia e gélida. Agora entendia porque aceitara sua ajuda. A equipe toda estava no olho dum furacão, movido à confusão e irresponsabilidade, e seria necessário mais que boas mentes para atravessá-lo. Precisavam de alguém diferente e esse alguém acabara sendo, sem muita premeditação, a adorável Charlotte Tissou com seus velhos livros, filmes em preto e branco, partituras de violino e mania de se meter onde nunca fora sequer mencionada.

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