quinta-feira, 1 de maio de 2014

CONTOS,ENCONTROS E ENCANTOS DE CHARLOTTE TISSOU-CAPITULO 9



CAPITULO 9

A mensagem não autorizada



Os olhares trocados entre as garotas foram rápido demais. Quando percebeu, Laura e Blair corriam para seu quarto, enquanto ela permanecia presa pelo abraço de Luna e Raquel. Não sabia o que acontecia lá em cima, mas podia imaginar que mexiam em seu computador.

-Droga! – gritou para o nada – Deixei meu Facebook aberto!

- Ainda bem. – Luna e Raquel falaram em uníssono.



Com algum esforço, Charlotte conseguiu sair de debaixo das garotas. Empurrando-as, correu escada acima. Chegou ao quarto quase escorregando, já sem fôlego. Mas era tarde demais. A página de seu perfil estava aberta e cheia de prints e marcações. E não eram coisas legais.

“Eu amo Alaric” – Estava escrito, havia também vários comentários:

“Minha amiga está apaixonada.”

“Charlotte in love.”

“O amor é lindo.” – E muitos outros.

Embaixo, vários compartilhamentos e curtidas. E uma delas pertencia ao próprio Alaric. Charlotte entrou em pânico. Desta vez, elas tinham passado dos limites. A mente de Charlotte latejava. A cólera expressa em seu olhar não beirava a escondida em seu interior. O ambiente ficava difuso à medida que tentava pensar. Cerrou os dentes, fechou os punhos. Uma maneira de não gritar. Vergonha, raiva, medo. Tudo mesclado no pequenino corpo da garota. Nunca se imaginara em situação semelhante.

Charlotte apertou as têmporas com os dois dedos indicadores. Buscava raciocinar. Criar uma linha racional de pensamento. Encontrar uma solução. As outras a observavam. Raquel arrependeu-se instantaneamente de sua ação ao ver a dimensão do estrago. Entretanto, as outras garotas sabiam que Charlotte sempre as perdoaria. E era verdade. Cher não conseguia guardar rancor por muito tempo. Acreditava que ira e ódio causavam um mal imenso quando alojados dentro do coração humano. Um bonito pensamento, quando se pensa a respeito. Contudo, nem sempre era útil.

- Saiam, por favor. – Pediu Charlotte, surpresa ao perceber o quão controlada sua voz estava.

- Cher... – Luna tentou dizer.

- Agora não, Lu. Agora não.

Luna saiu cabisbaixa, seguida pelas amigas. Contudo, Charlotte segurou o pulso de Raquel, impedindo-a de seguir caminho.

- Você fica.

Um arrepio percorreu a espinha de Raquel. Por um momento acreditou que Cher iria acabar com a amizade delas. Mas, seguida à saída das meninas um sorriso estampou-se no rosto de sua melhor amiga.

- Não está brava?

- Não com você. Sei que não fez por mal.

- E o que irá fazer a respeito das outras?

- Vou apagar e dizer que nunca mais deixo meu Facebook aberto na presença delas. Simples como chocolate quente no inverno. – Elas riram juntas da piada antiga.

Quando pararam de gargalhar, estavam caídas no tapete felpudo. Deitaram de barriga para cima e encararam o teto, recuperando o fôlego. Ficaram assim por alguns longos minutos, apreciando o momento. A amizade não era longa, mas fazia tão bem às duas. Em momentos como este Charlotte sentia que a vida era perfeita. Pena que raramente duravam muito.

Como que para provar tal tese, a tela do computador piscou. Uma telinha abriu-se, exibindo uma mensagem:

“Sacanagem com a garota.”

Cher respondeu:

“Concordo. Uma mentira que não será repetida.” – Em seguida, desligou o computador.

- O que ele queria? – Raquel perguntou, já sabia quem estava do outro lado da tela.

- Nada demais. – Charlotte respondeu, seguindo para a varanda.

O sol abaixava-se no horizonte. Uma macha alaranjada, que lembrava a Charlotte fogo, era deixada em seu lugar. O vento frio jogava seus fios para trás, sem discriminação. A Lua surgia, acompanhada de longínquas estrelas, cujo brilho já poderia estar extinto. Os lampiões da rua já estavam acesos, banhando as flores abaixo com uma luza artificial. As flores, brilhantes e coloridas, eram uma visão a ser admirada. Mas Charlotte achava o cenário deprimente. Fazia-a sentir saudades de algo que nunca tivera. Uma parte de si que não chegara a conhecer, como se fosse uma órfã desde o nascimento.

Abaixou o queixo, fazendo-o bater no mármore negro. Era frio e fazia arder a pele dela, porém tornou-se estranhamente quente após algum tempo. Era uma aposição desconfortável. Com as costas curvadas e o queixo preso ali. Parecia que precisava se esconder de algo para observar o horizonte. Mas o que é a vida se não uma fuga para dar uma olhadela no espetáculo? Raquel pensou, observando o tremor desconfortável de Charlotte.

- O tempo passa rápido quando nos divertimos, não é mesmo? – Charlotte não se virou, mas sabia que Raquel estava ao seu lado.

- E a noite é uma criança. Passa mais rápido ainda.

- Devo me despedir de você, então? – Ela finalmente levantou-se, encarando a menina ruiva.

Os fios de Raquel balançavam ao luar recém-saído. Ruivo contra o suave negro. Chamas na escuridão. Se realmente estivesse escuro ali. Raquel estava tão próxima que Charlotte podia contar as sardas que salpicavam o nariz da garota. Pequenas bolinhas amarronzadas, manchas no gelo. Abraçaram-se. Pingos de água começaram a cair. Lágrimas de despedida, Cher pensou, contudo sabia tratar-se apenas de uma chuva de inverno.

- Acho que você vai ter que me emprestar seu guarda-chuva... – Raquel riu, sinos saíram de seus lábios.

- Ou você pode esperar meu pai chegar. – Mediante a recusa, Cher procurou barganhar mais – Sério. Sua casa é longe. É melhor esperar meu pai. Ele foi buscar a Clair e não vai demorar.

Os pingos engrossaram. Todas as janelas e portas da casa foram fechadas para não permitir a passagem da água. Relâmpagos cortavam o céu e trovões ribombavam nos frágeis ouvidos humanos. O trânsito aumentou; os trabalhadores tentando voltar para casa. A enxurrada aumentava e Benjamin se viu preso entre dois carros, um vermelho e um branco. Clair comia salgadinhos e ouvia músicas melancólicas no banco da frente. Raquel e Charlotte deitavam-se no tapete com duas panelas de brigadeiro e cobertores. Um menino, em algum lugar, olhava a tela do computador. Lia e relia a mensagem que fora deixada para ele.

Todos, a seu modo, esperavam a chuva passar. E quando ela se foi, Clair e Benjamin riam à porta de casa. Charlotte e Raquel dormiam profundamente. O mundo já estava imerso em outras atividades. Exceto o menino.

Ele ainda olhava a tela do computador. Lia e relia a mensagem que fora deixada ali. E perguntava-se o quanto daquilo era verdade. E desejava que cada palavra dita por Charlotte fosse mentira.


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