sexta-feira, 2 de maio de 2014

CONTOS,ENCONTROS E ENCANTOS DE CHARLOTTE TISSOU-CAPITULO 10



Capítulo Dez

Mais um Primeiro Dia



Férias é um momento para relaxar. Férias de verão trazem diversão e descanso à beira de praias e piscinas. Evocam a imagem de grandes coqueiros e palmeiras. Areia fina e sol quente. Viagens longas e risadas. Enquanto o inverno e seu recesso são responsáveis por momentos aconchegantes. O frio carrega a aura do descanso em si. Dias de garoa e agasalhos são comuns. Chocolate quente e filmes de terror ou fantasia à noite, também. Os programas são mais caseiros e as viagens, escassas. As férias também são estimadas. Esperadas. Desejadas. O momento de alívio dos adultos - quando podem acordar tarde e dormir mais um pouco. A diversão dos adolescentes - dias de festas e programas a qualquer momento. A rotina dos sonhos das crianças – desenhos animados e doces à vontade. Entretanto, não existe instante mais sublime que o da volta à rotina, quando o tédio é já é o elemento principal dessa existência. Pelo menos não para Charlotte e as amigas.

Não era o amor pelos estudos que as fazia amar este momento, entretanto. A volta as aulas significava um retorno à loucura habitual. Porque, por mais que tentassem, não conseguiam se reunir todos de uma vez. As inimizades no colégio existiam, e a distância saudável de recessos era necessária para a preservação da boa convivência. Os encontros de férias ocorriam apenas entre os grandes amigos. Então, Charlotte encontrava-se exultante naquela manhã de segunda-feira, apesar de estar atrasada.

O relógio marcava 06h30min quando acordou. Levantou-se no terceiro toque, como de costume. E, naturalmente, as 6h45min descia correndo as escadas. Farda amassada, cabelo despenteado, mochila pendendo do ombro. Um sorriso no rosto. Mais largo que todos que esboçara durante o recesso. A ordem natural de sua vida voltara. Encheu uma xícara com café e a bebeu, enquanto observava Benjamin. Seu pai guardava uns papéis numa pasta preta. Estava vestido com seu melhor paletó, sinal de que haveria uma grande reunião naquele dia. Também chegaria tarde da noite, quando as filhas já estariam dormindo. Era sempre assim quando Benjamin vestia novos paletós.

- Onde está a Clair? – Charlotte perguntou, olhando ao redor. Repousou a xícara vazia na mesa. Não queria acreditar que a sempre pontual irmã estava atrasada.

- Não tão rápido maninha. – Clair segurava uma maçã muito vermelha. Viera da sala e estava impecável. Os fios louros puxados para trás, a roupa perfeitamente ajeitada no corpo. Um leve odor de flores emanava dela.

Charlotte fez uma careta.

- Que cheiro é esse?

- Rosas, irmã. – Clair retornou à sala – Já está na hora. – Acrescentou, olhando o relógio de pulso, irritada. Provavelmente, estavam alguns poucos segundos atrasados.

Cher e Benjamin a seguiram. Sabiam que ela estava certa. Clair gostava de ter controle sobre a própria vida. Administrar cada minuto gasto era, segundo ela, a melhor forma de fazer isso. Irava-se, portanto, quando alguma coisa saia de seu meticuloso roteiro.

A viagem foi feita ao som de um rock antigo que Charlotte não reconheceu. O pai mantinha-se concentrado no trânsito, apesar de quase não haver carros na rua. Havia certo nervosismo na maneira como ele acariciava o volante e a marcha, sem saber qual dos dois deveria segurar. Clair, ao seu lado, trocava mensagens incessantemente. As unhas finas e pontudas, pintadas de um tom de azul escuro, batiam no teclado compulsivamente. Restou a Charlotte observar a névoa da noite dissipar e dar lugar a um sol ameno.

Rapidamente, prendeu-se em devaneios bobinhos. Criando cenas e canções ao seu bel prazer. O tédio consumindo-a e alegrando-a. Uma perfeita antítese. Foi arrancada, contudo, das divagações mentais com o parar suave do carro. Haviam chegado ao Instituto de Aprendizagem para Moços e Moças de Paris.

O colégio era grande. Um gramado exageradamente verde estendia-se á frente. Um enorme portão de ferro guardava a entrada. Estava abarrotado de alunos que chegavam e Benjamin teve alguma dificuldade em entrar. O estacionamento não era muito grande. O chão era todo em paralelepípedos. Algumas vagas para carro e cinco para motos. Havia um espaço para bicicletas também. A cobertura era o maior luxo que se podia obter ali. Ao contrário do resto do Instituto, onde cada parede ostentava nobreza.

Os alunos entravam por uma porta lateral. Próximo a ela, o gramado era menos cuidado. Alguns bancos de granito estavam ali. Um caminho de cascalho levava a uma capela raramente visitada. Contudo, atrás da capela, erguia-se uma gruta muito pequena. Aquele era o lugar onde meninos e meninas se beijavam. Driblando as regras do colégio. Mas não hoje. Aquele era o primeiro dia de aula do novo semestre e o local era utilizado para reencontros.

Charlotte desceu do carro. Observou que a maioria dos colegas chegavam em grupos. Apenas alguns, como ela e Luna, vinham de automóvel. Mesmo assim, a maior parte das vagas estava preenchida. Isso porque absolutamente todos os professores possuíam carro e casa própria. Consequência do alto salário que ganhavam. Um ponto fora da curva, posto que no país, era vigente a desvalorização do funcionário da educação. Entretanto, aquele era um colégio visionário, inovador e, acima de tudo, uma referência. Os salários de seus professores refletiam a riqueza, a nobreza e a qualidade o ensino.

Clair correu de encontro aos amigos que não via há alguns dias. Charlotte caminhou pela entrada. Gargalhadas e conversas animadas estavam por toda parte. Viu Joane e Mauricio juntos, de mãos dadas. Sorriu para eles. Percebeu quando Vanessa chegou sozinha, com fones no ouvido e um grosso livro nas mãos – a típica Vanessa. Alguns veteranos conversavam perto do grande arco de pedra que era a entrada de pais e professores. A rotina estava reerguida.

Então Raquel a chamou, balançando a mão no ar. Estava num canto privilegiado pelo calor. Ao seu lado, Blair e Laura conversavam. As três eram vizinhas e sempre iam juntas ao colégio.

Charlotte se aproximou. Depositou um beijo na bochecha de cada uma das garotas e, juntas, caminharam para a sala de aula. Era um cômodo arejado. Várias janelas emolduradas por cortinas azuis. Um quadro branco enorme cobria uma das paredes. Alguém estava empoleirado na mesa do professor; os pés pendendo frouxamente na cadeira de madeira. Duas grandes fileiras de cadeiras verdes e acolchoadas já estavam bagunçadas. Carter tentava ligar manualmente o ar-condicionado. Meninos e meninas tiravam fotos, jogavam no celular, corriam e gargalhavam. Nada havia mudado. Duas semanas, afinal, não era um longo tempo. Colocaram a mochila em uma cadeira qualquer na segunda fileira. Onde era o lugar delas.

A parte que Charlotte mais detestava em todo o colegial era a hierarquia. Alunos divididos pelo grau de popularidade; pelo quanto podiam ser descolados. Tudo no colegial, desde a posição da cadeira onde você senta até as pessoas com quem você fala, são definidas pela sua posição na hierarquia. Contudo, havia desvios. Charlotte era um.

Se existia algo que se poderia dizer a respeito de Charlotte Tissou com absoluta certeza é que ela não era popular. Não era. Sem perceber, Charlotte ingressou nesse mundo de festas e irresponsabilidade adolescente. Foi um deslize. Um acidente. Uma mera consequência de sua amizade com Raquel Martins. Charlotte subiu na hierarquia do colegial. Conversava com veteranos, recebia convites, sentava na segunda fileira. E levou Blair e Laura para seu novo e indesejável mundo.

Indesejável porque Charlotte desprezava popularidade. Novo porque, apesar de estar ali há quase dois anos, ela ainda não se acostumara. E provavelmente nunca o faria. Apesar de inconstante, era reservada. Era propensa a mudanças repentinas de humor, mas preservava sua vida pessoal para si. Traços não compatíveis em um mundo de pessoas populares. Por isso teve uma súbita irritação naquela manhã. Uma mancha negra em sua excitação. No entanto, obrigou-se a ouvir cada palavra. E foi com o cenho franzido que Luna a encontrou, ainda tentando digerir o fato de toda a escola saber sobre seu muitíssimo breve caso com Caíque.

- Você não parece bem. – Luna ia dizendo enquanto desciam as escadas.

- Mas eu estou bem. – Charlotte insistiu, apressando o passo. Era hora do intervalo, e no primeiro dia a fila da cantina sempre era maior.

- Passou a aula inteira fitando a carteira Cher.

- Sou eu, faço isso o tempo inteiro. – Charlotte deu de ombros.

- Espere. Escute. – Luna a virou de frente para si, segurando-a pelo ombro – Não é normal, mesmo para você. Sei que os comentários a incomodaram. Eu percebi.

- Não. Não incomodaram. – Charlotte voltou a caminhar, soltando-se do abraço forçado. Já estavam no refeitório e ela se dirigiu a fila, a carteira vermelha na mão – Foi impressão sua. Esse tipo de coisa não me afeta.

Luna revirou os olhos antes de responder, num sussurro:

- Não sou a Raquel, que conhece cada olhar seu. Ou a Blair que sabe de cada parte de sua história. Nem mesmo Laura, a garota que sempre te faz sorrir. Mas acredite quando eu digo Charlotte, eu sou sua amiga e sei quando algo está errado. Você se sentiu incomodada. Admita. Faz bem a saúde.

- Tudo bem. Tudo bem. – Charlotte estava irritada com a conversa – Admito! – o grito dela sobressaltou a todos na fila e metade do refeitório a olhava com curiosidade agora. – Eu fiquei incomodada, mas apenas porque não esperava que eles soubessem. –Tomou o cuidado de falar baixo – Satisfeita? – Acrescentou, por fim.

- Muito. – Luna respondeu, entretanto, Cher não a ouvia mais.

Os olhos de Charlotte estavam fixados em ponto muito aquém a cabeça de Luna. Ela estreitava as vistas, seu olhar encontrando o de outra pessoa. Luna passou a mão em frente a seu rosto algumas vezes, contudo Cher permanecera parada. Sem piscar. Sussurrou alguma coisa e saiu da fila, deixando Luna estupefata.

Charlotte abriu caminho em meio à multidão de alunos que se amontoavam no refeitório e saiu. Atravessou a quadra de futebol, interrompendo o jogo e ouvindo muitos xingamentos. Mesmo assim continuou a andar. E quando chegou ao outro lado, arfou antes de dar um soco no rosto do menino que se encontrava a sua frente. A fúria fora finalmente liberada. Luna tinha razão, admitir alguma coisa fazia bem à saúde.

- Mas... O quê...? – As palavras ficaram presas na garganta de Carter.

Charlotte observou Carter. Estava patético com a mão no nariz, entretanto um brilho furioso estava preso em seu olhar. Seus grunhidos pareciam dizer que ela iria se arrepender. Provavelmente iria mesmo. No entanto não estava disposta a pensar nisso por agora. Olhou rapidamente a cena. As gargalhadas de Raquel e Marcus ainda congeladas em seus rostos. Laura tampando a boca. Blair mirando-a fixamente, como se a garota a sua frente fosse uma alienígena. Joane e Mauricio alheios a tudo, enquanto se beijavam. Voltou-se novamente para Carter.

- Nunca mais se meta na minha vida. Não importa a maneira. – Murmurou em seu ouvido e lhe deu as costas.

Desceu a arquibancada furiosa. Enquanto atravessava a multidão que se reunira para ver a cena, percebeu Raquel em seu encalço. Charlotte apenas ignorou a amiga, seguindo o caminho que seus pés traçavam. Entrou e saiu do refeitório. Atravessou metade do Instituto e foi parar em frente à capela. Sua boca se abriu em um grito irado.

- Cher... – Raquel estava cautelosa, com medo de dizer a coisa errada.

- Cala a boca Raquel! – Charlotte virou-se, perdida em sua cólera, os braços jogados para cima como se pedisse algum tipo de poder extraordinário aos céus – O seu namoradinho se incumbiu de arruinar a minha manhã! Então, não tente defendê-lo!

Raquel deu um passo para trás.

- Eu não estava tentando... – ela parecia inserta quanto ao que dizer – Só queria te acalmar.

Charlotte então olhou para Raquel. Franziu os lábios enquanto a observava. Raquel segurava nervosamente a barra da camisa. Os cachos ruivos esvoaçavam ao vento da manhã de inverno, enroscando-se em sua boca apertada. Charlotte sentiu o furor deixando-a. Largou os braços ao lado do corpo e escorregou para o chão de paralelepípedos. Com as pontas dos dedos, esfregou os olhos. Procurava a lucidez. Raquel ajoelhou-se ao lado dela.

- Eu detesto isso, sabia? – ela disse com a voz meio embargada – As pessoas falando sobre mim. Sinto como se um holofote estivesse apontado para minha pessoa. E essa luz me cega, me irrita. Odeio isso!

- Você pensou que ninguém sabia, não é?

Charlotte assentiu. Raquel continuou:

- Bem, sabem mais do que você pensa. – Charlotte levantou o rosto, curiosa – Alaric.

Aquele nome fez cada poro do corpo de Charlotte estremecer. Fazia algum tempo que não o ouvira. Sentiu-se genuinamente intrigada.

- O que tem ele?

- Acho melhor você falar com a Blair. – O tom de Raquel era sério e encerrava a conversa.

Charlotte fitou o horizonte por alguns momentos. Parecia se decidir quanto ao que fazer. Ou talvez apenas tentasse enxergar alguma linha imaginária que separava passado e futuro. Quiçá buscasse saber se era essa uma opção correta. Não importando sua decisão, ela se levantou. Voltou para a sala de aula. O sinal tocou quase ao mesmo tempo em que ela adentrou no recinto. Uma harmonia perfeita, como diria Sara, caso estivesse viva. O pensamento chocou-a. Raramente raciocínios semelhantes a atingiam. Entretanto, preferiu não se importar. Decidiu que desta vez, assistiria a aula.

***

O sol do meio dia é o mais quente. Uma verdade até no mais rigoroso dos invernos. A calmaria gélida tornava o astro estranhamente ameno. Charlotte absorveu a luminosidade, fechando as pálpebras. Estava na esquina do Instituto esperando por Blair, Laura e Raquel. As constantes reuniões de Benjamin o impediam de buscar as meninas no colégio. Geralmente ele chegava a casa quando as filhas há muito já estavam adormecidas. Mesmo assim Benjamin Tissou fazia questão de entrar no quarto de cada uma delas e depositar um beijo na testa, como forma de dizer “boa noite”. Ele acreditava que nenhuma das garotas jamais desconfiou deste ato, no entanto Charlotte permanecia acordada até a volta do pai.

- Vamos? – Blair puxou-a, arrancando-a da linha de pensamentos que traçava.

Caminharam em silêncio por um tempo. A maioria dos alunos seguia por aquele caminho. A balbúrdia natural estava aumentada. A saudade de resenhar, parecia, estava sendo sanada.

Quando já estavam afastadas de todo o barulho originado do fim do inicio do novo semestre, Raquel interrompeu o silêncio.

- Estou pensando em terminar com o Carter. – O tom usado foi o mesmo para dizer qual a sobremesa do jantar. Tornava o tema casual demais para ser incluído em qualquer conversa.

- Como? –Laura quase engasgou.

- Acho que irei terminar com o Carter. – Raquel repetiu, parecia entediada.

- Por quê?

A questão levantada por Charlotte era meramente retórica. Carter e Raquel terminavam e voltavam. Os motivos, sempre os mesmos. Era uma rotina desgastante. O intervalo entre os dois cursos era acompanhado de um longo flagelo. A mais afetada era sempre Raquel. Obrigada a lidar com todos os boatos sobre “as novas garotas do Carter”, não era raro Raquel chorar até a madrugada. Quando isso acontecia, ligava para Charlotte. As duas conversavam durante horas, Cher tentando acalmar a melhor amiga. Logo depois, voltavam. A alegria reinava e todos os erros do passado eram esquecidos.

Há muito tempo Charlotte havia percebido que Raquel era apenas uma marionete. Sua vontade era a de Carter. Sucumbia sempre aos desejos do namorado. O garoto também percebera isso e gostava de aproveitar-se da situação. Entretanto, Raquel não queria enxergar a verdade. E Charlotte nada dizia. Era o caminho dela, o que havia escolhido traçar. Não existiam motivos para se intrometer.

- Não aguento mais ser a bonequinha do Carter. – suspirou – É... Corrosivo.

- Você não é a bonequinha dele! – Blair retrucou. Ela sempre fora a favor de casais que dariam uma ótima fotografia. Raquel, com suas madeixas vermelhas; Carter com todo o fulgor negro dos fios estavam neste time.

- Se você tiver certeza... – Charlotte preferiu ignorar o comentário anterior.

Raquel assentiu.

- Dessa vez é pra valer. - O problema dos términos de Raquel e Carter era que sempre eram “pra valer”. Laura revirou os olhos verdes, sabendo que aquela era apenas mais uma resolução boba de Raquel. Em duas semanas estariam juntos novamente.

Raquel inspirou, antes de continuar, com um sorriso sincero:

- Temos, contudo, outro tópico em questão – olhou para o lado – Blair...

Blair sorriu. O olhar malicioso que Charlotte tanto conhecia. O anjo e o demônio da personalidade de Blair atingiam seu auge quando ela sorria daquele jeito. Uma sensação de déjà vu atingiu Cher. Entretanto, ao contrário da maioria das vezes em que o fenômeno acontecia, a percepção foi acompanhada dum pequeno bater de asas. Redemoinhos estomacais que substituíam os calafrios nervosos. Recordou-se do 15 de junho. Gargalhou internamente enquanto as imagens voltavam vívidas, aos seus olhos. Era incrível como seu passado sempre parecia patético quando revisto. Seria sempre assim? Não haviam modos seguros de saber. Apenas métodos duvidosos que nada diriam a respeito de seu amadurecimento ou não.

- É melhor conversarmos mais tarde, não? – Charlotte pressentia o conteúdo das palavras que seriam ditas por Blair.

Há uma semana recebera uma ligação. Uma ex-colega, cujo contato era fragilmente mantido, estava do outro lado da linha. Foi uma estranha chamada. A garota nunca ligara antes e agora pedia para marcarem um encontro. Quando Cher recusou, ela expôs os motivos da ligação. Sem lógica, foi o pensamento de Charlotte, mas pensando naquele momento agora... Poderia ser provável, real até.

Talvez fosse um equívoco acreditar que um garoto pudesse gostar dela, afinal isso nunca acontecera antes. Porém, tudo é tão imprevisível. O fluxo dos acontecimentos não possui lógica aparente. Tecnicamente, tudo poderia acontecer.

Ás vezes gostava de comparar a vida com ela própria. Tudo nela era tão relativo. Repentino. Súbito e inesperado. Não ocasionalmente, surpreendia a si mesma com decisões e pensamentos. A condição em que se encontraria poderia seguir o mesmo raciocínio. Em outras palavras, os resultados poderiam ser negativos, contudo a aposta seria divertida. E num futuro não tão distante, poderia dizer sentada numa mesa de bar, que por um momento cogitou o fato de Alaric nutrir sentimentos românticos por ela. É... Seria algo engraçado.

Virou a esquina e seguiu o seu caminho, sozinha - a concepção ainda em sua mente. Raquel, Blair e Laura a observavam sumir no horizonte. À tarde, iriam até residência dos Tissou e levariam Charlotte para visitar a tal ex-colega. Uma ida que provocaria desavenças.

Charlotte estaria sentada na cama de ferro de Carolina – a Carol. Raquel iria buscar água. Blair deitaria ao seu lado; Laura em pé a sua frente. Carol sentaria ao seu lado e elas começariam a trocar informações sobre as férias. Em poucos minutos estariam rindo e o assunto seria outro: o passado. Os momentos que haviam passado juntas quando crianças. Mais gargalhadas. E Raquel estaria de volta, sentada no chão, quando a expressão de Carol ficasse séria repentinamente. Mas a mudança duraria apenas alguns segundos, tempo suficiente para que ficassem em silêncio e a ouvissem.

Carol, primeiramente, ficaria sem palavras. Constrangida pelo afastamento delas, não saberia se teria intimidade para tal assunto. No entanto, após breve reflexão, encontraria as palavras exatas. Jogaria a franja de lado, e com um sorriso forjado despejaria a frase que faria a cabeça de Charlotte latejar por muito tempo.

Então, Laura se jogaria na cama. Cobriria os olhos com as mãos enquanto Charlotte buscaria uma resposta adequada. Blair acariciaria os fios dourados de Laura, acreditando que ela estaria apenas cansada. E todos seriam surpreendidos quando, subitamente, a menina se levantasse e saísse correndo. Apenas aí perceberiam que havia algo errado demais. E Charlotte... Pobre Charlotte. Passaria aquela e muitas outras noites perguntando-se qual seria a decisão certa a tomar. O sono interrompido pela consciência. O caminho a escolher. As promessas que fizera quando mais nova em conflito com os próprios sentimentos. A dúvida entre o desejo impulsivo e a razão.

Mas não agora. Naquele momento Raquel, Blair e Laura apenas observavam a melhor amiga voltar para casa. Naquele momento a amizade delas era inabalável. Inatingível. Não importando a opinião de Carol acerca dos sentimentos de Alaric por Charlotte. Ou o que isso implicaria na vida de cada uma delas. Eram apenas amigas.

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