terça-feira, 6 de maio de 2014

CONTOS,ENCONTROS E ENCANTOS DE CHARLOTTE TISSOU-CAPITULO 11



Capítulo Onze

O que Ela quer?



A Sr.ª Pelegrino lia os Termos dos Jogos Estudantis daquele ano. Metade da equipe já havia desistido de ouvir e estava rabiscando a cadeira ou jogando no celular. Alguns dormiam. Os alunos da primeira fileira pareciam absorver cada palavra da coordenadora, como se disso dependesse suas vidas. Charlotte, contudo, não fazia parte de nenhum dos grupos. Ela nem sequer vira Antônia chegar. Sua mente divagava, buscando compreender a ira de Laura. A garota não falara com ela desde a hora em que saíra correndo da casa de Carolina. Na segunda-feira. Hoje era sexta-feira.

Laura simplesmente decidira que Charlotte era a responsável pela paixão de Alaric. Mesmo sabendo que a amiga não falava com o garoto desde maio. Cultivava a raiva apenas para poder culpar alguém. Uma atitude que poderia ser desprezível se Laura não soubesse que Charlotte poderia se envolver com Alaric de alguma forma. Por isso Cher não gritou, não brigou, apenas tentou entender Laura, para não irritá-la ainda mais.

-Cher! – Blair me cutucou e apontou para frente com a cabeça.

Raquel, Mauricio e Aya estavam ao lado de Antonia, escrevendo seus nomes no quadro branco. Então, Charlotte compreendeu que também deveria estar ali. Levantou-se cambaleando e derrubando o caderno de Blair antes de conseguir chegar à frente. Escreveu seu nome também e ficou parada, fitando o vazio. Não escutou quando a Sr.ª Pelegrino mostrou as provas nem quando deixou a sala nas mãos dos líderes.

Joane havia decidido deixar de liderar uma equipe após o transtorno do ano anterior e, por insistência de Raquel, Charlotte a substituira. Não sabia exatamente o que iria fazer, mas sentiu-se motivada no inicio. Agora, entretanto, não tinha mais certeza. Droga! Como ela odiava brigar com as amigas!

-... Então a Cher fica responsável pelas músicas e apresentações, tudo bem? – Raquel olhou para ela irritada, Charlotte percebeu que deveria falar algo.

- Hã, sim. Claro. Tudo certo. Só preciso de uma equipe...

- Charlotte, você já tem sua equipe. – Cher estava confusa e Aya impaciente – Mauricio dividiu as equipes no inicio da reunião.

Aya era japonesa. Deixara seu país natal ainda criança, contudo a personalidade tipicamente asiática era visível nela. A educação rígida que tivera a tornara uma pessoa inflexível quanto a responsabilidades. Ás vezes, Charlotte tinha medo dela. Era difícil não ter.

- Er... – ela olhou para trás. Alguns nomes estavam abaixo do seu. Uma equipe, ela percebeu. Corada, respondeu: - Desculpe, estava longe.

- Deu pra perceber. – Aya era fria e os olhos castanhos pareciam cubos de gelo raivosos.

- Tudo bem, só tente se manter conosco daqui em diante, ok? – Mauricio apertou sua bochecha. Um hábito que cultivava desde o jardim de infância.

Charlotte assentiu. Tentou prestar atenção em cada detalhe, mas rapidamente não pode mais manter a promessa. Sem pretensão, começou a viajar dentro da própria mente novamente. Os pensamentos seguiam um trilho que sempre a levava a Laura. Ela tinha que resolver esta questão. A “briga” assombrava-a constantemente. Os sonhos estavam repletos de pesadelos. Preocupava-a, inclusive, o que faria em relação a Alaric.

Não estava apaixonada por ele. Mal o conhecia. Algumas palavras trocadas, com longos intervalos de uma para a outra. Mesmo assim, ela não podia negar a beleza e o charme dele. Alaric tinha um jeito natural de fazê-la rir internamente. Não gargalhadas frenéticas, mas diversão. Sorria sem perceber quando estava com ele. O tempo passara, no entanto ela não esquecera a sensação de paz e felicidade, mesclada a adrenalina e medo, que a invadia na copainha de Alaric.

Piscou os olhos quando viu as pessoas saindo. O final de semana chegara. Blair puxou-a. Os olhos pintados de negro estavam estreitados. Os lábios cor de rosa, repuxados para o lado em um bico esquisito. Estava claramente preocupada com Charlotte. Foram caminhando para a saída. Raquel as esperava na esquina. Luna ficara para avisar que Laura já havia ido. Saíra apressadamente.

Charlotte suspirou.

- Qual o problema dela?

- Medo do que você fará. – Raquel respondeu rapidamente.

Charlotte franziu o cenho. Raquel deu de ombros.

- Você sabe... O caso Samuel.

- A Vanessa não ficou exatamente calada quanto a ele. Espalhou que você a havia traído quando estava com raiva. – Luna continuou – E o boato se espalhou.

- Por que nunca me contaram? – Charlotte estava mais curiosa que furiosa.

- Nunca pensamos que fosse se importar. - Blair respondeu e continuou caminhando.

Era verdade. Charlotte não costumava se importar com boatos espalhados. Principalmente com os que seu nome estava envolvido. Mesmo assim gostaria de ter sabido. Poderia conversar com Vanessa e descobrir o motivo de ela fazer. Embora, suspeitasse que fosse ira. Vanessa não ficara muito feliz com o beijo de Samuel e Charlotte no ônibus. Não estava errada. Ela gostava do Samuel, e mesmo sem nada dizer a respeito, Charlotte sabia.

Os seus princípios não a impediram de machucar Vanessa. Nem Tess, a ex-namorada de Samuel. O desejo que a assolava, também a exauria. Impossibilitava de raciocinar. Tudo o que ela conseguira pensar naqueles dias obscuros fora na carne de Samuel contra a dela. Em seu abraço forte. Os corpos se encontrando, no beijo dele... Lutou contra as respostas de seu corpo a visão daqueles olhos negros. Comprimiu o desejo dentro de si a ponto de se esquecer dele. Todavia, era apenas uma bomba programada para explodir em seu momento de distração. Infelizmente a bomba explodiu tencionada a machucar o maior número de pessoas possíveis.

Não culpava Vanessa pela raiva nem pelos boatos que inventara. Não fora culpa dela. Foi apenas uma reação emocional do sofrimento infligido por Charlotte.

- Vai ter reunião na sua casa hoje, Cher? – Raquel perguntou quando já estavam se separando.

- Hã, passa lá mais tarde. É bom para discutirmos o desfile.

Raquel assentiu e seguiu Blair. Luna e Charlotte caminhavam lado a lado. Luna morava na rua atrás da de Charlotte. Então, elas costumavam passar bastante tempo juntas. Geralmente comiam brigadeiro e faziam exercícios de Física e Química. Também discutiam Filosofia e filmes. Tinham um gosto um tanto diferentes por cinema. Enquanto Charlotte preferia Godard, Luna amava as sagas adolescentes, adaptadas de livros. Conseguiam, no entanto, se entenderem. Era uma amizade despretensiosa, sem objetivos e grandes dramas. Apreciavam a copainha uma da outra, o que não significava trocar confidências. A relação podia ser superficial, mas fazia bem as duas.

- Quer almoçar aqui em casa? – Charlotte perguntou quando viravam a esquina.

Benjamin viajara a negócios e Clair chegava sempre mais cedo que ela. Assim, Cher acabaria sozinha na mesa da cozinha. Nem Maria far-lhe-ia copainha. Provavelmente ficaria na biblioteca lendo algum romance obsoleto e genial.

- Claro. Adoraria. – Luna sorriu, o brilho chegava a seu olhar puxado nos cantos.



Após o almoço as moças foram para o quarto de Clair. A irmã loura de Charlotte fora estudar na casa de uma amiga – Clair sempre estava estudando – então elas poderiam aproveitar para ler HQs. Contudo, no fundo da mente de cada uma, sabiam que não o fariam.

Luna esparramou-se pelo tapete de Clair. Charlotte deitou-se na cama, a barriga roçando a colcha lilás. Seus dedos pequeninos acariciavam os longos fios negros de Luna. Gostava de senti-los sobre sua pele. Pareciam seda ao toque; macios como a pele da garota deveria ser.

- O que irá fazer a respeito de Alaric? – Luna virou-se de frente para Charlotte, os cotovelos apoiados na cama; o queixo próximo demais ao rosto da amiga. Aquela distância era possível sentir o hálito doce de Luna e as baforadas de sua respiração.

- Não sei ainda. – Charlotte parecia realmente considerar aquela questão pela primeira vez – Ele é atraente, mas a Laura é minha amiga...

- Isso nunca lhe impediu antes.

Mais uma vez recordou-se de Samuel. Haviam se atrasado e acabaram por sair da cidade litorânea perto do crepúsculo. Ele estava sentado em uma das poltronas. Quando ela chegou e o olhou, ele soube que a havia ganhado. Charlotte seria finalmente sua.

O ônibus arrancou e Charlotte caiu no colo de Samuel. Ele a segurou pela fina cintura, seu nariz ficando na altura do pescoço nu dela. Então, tudo aconteceu demasiado rápido. Quando percebeu, estavam se beijando. Ela jogava-o contra uma parede do ônibus, ele puxava-a para si, pessoas gritavam e aplaudiam. Agora que cedera ao desejo frenético, não conseguia controlá-lo.

Giraram, grudados, e entraram no minúsculo banheiro. As mãos dela tateando as costas dele. Os músculos, por baixo da camisa, estavam retesados. A pele era áspera e fria, diferente da de Charlotte. Os dedos de Samuel sentiam o calor das costas da menina; ele foi arrancando-lhe a blusa, beliscando a barriga em chamas de Charlotte, mordendo o lóbulo da orelha dela. Os fios negros do menino já estavam ensopados de suor, o cabelo de Charlotte grudava nas costas, agora nua. Estavam os dois sem blusa. Sentiam uma necessidade de tocarem-se, sentirem o corpo um do outro. Os beijos intensos os faziam arfar.

Até agora a lembrança daqueles momentos a deixava sem ar. Não compreendia, contudo a intensa atração que sentira por ele. O proibido, talvez fosse a causa da necessidade de tê-lo. Após o incidente, tudo cessara. Sentia apenas repugnância por Samuel. Pensava se sentir-se-ia assim após beijar Alaric. Pegou-se desejando ardentemente que “não”.

Charlotte abriu a boca para responder, uma desculpa plausível para esconder a vergonha. Porém antes mesmo que pudesse pensar em algo, a campainha tocou.

Raquel vestia roupas confortáveis. Os cachos ruivos presos no alto. A tiracolo, uma bolsa carteiro que deveria conter o notebook da menina e as pastas com as primeiras tarefas dos Jogos Estudantis.



A primeira tarefa a ser cumprida era também a mais importante. Le Défilé d’Ouverture. No ano anterior haviam ficado em último lugar e estavam todos decididos a melhorar a posição neste ano. Quando Raquel abriu o notebook na biblioteca, mostrou-lhes as ideias que tivera ainda mais cedo.

- Cinderela! – explicou – Um clássico e ainda assim popular.

- É muito clichê, não? – Luna estava desgostosa com a ideia.

- Talvez –admitiu Raquel – Mas também é inesperado. Conto de fadas é sempre algo mágico e ninguém o adota pelo fato de ser infantil.

- Continuou não gostando. O que acha Cher?

Charlotte estava sentada a um canto. Quase não prestava atenção na conversa das duas. Sua mente trabalhava rapidamente, pensando em músicas e coreografias. Num enredo, numa letra. Em tudo que pudesse ser significativo para a criação de um espetáculo.

- Acho que antes deveríamos estabelecer uma taxa para cada integrante da equipe pagar. Afinal, dinheiro não brota do chão e precisamos pagar os gastos das apresentações.

- Você está certa. Devo ligar para Aya? – Raquel já tirava o celular da bolsa.

- Faça isso – e saiu do cômodo indo em direção à cozinha.

Luna seguiu-a. Encontrou Cher recostada contra o balcão de mármore. Girava alguma coisa entre os dedos da mão esquerda. Fitava os próprios joelhos avermelhados.

- O que se passa pela sua mente, garota? – ela segurou a mão da amiga entre as suas, o polegar acariciando a palma dela.

Luna era alguns centímetros menor que Charlotte, às vezes parecia mais baixa ainda. Uma dessas ocasiões era quando olhava carinhosamente para Cher. Não olhava assim para ninguém mais. Ás vezes Cher sentia-se grata por isso; ás vezes se assustava. Luna ainda era um mistério para ela, apesar dos anos de convivência. Um mistério que gostaria de desvendar.

- Você me recriminaria se eu almejasse algo proibido?

- Acho que todos nós desejamos algo proibido. – Ela aproximou-se, pondo a mão na clavícula branca da outra, uma das mãos estavam entrelaçadas - O ilícito é mais divertido.

Luna fitava intensamente os olhos de Charlotte. A respiração dela estava acelerada, o cheiro de baunilha estava mais forte. Charlotte virou o rosto de repente.

- Espero que Laura pense assim também. – Afastou-se rapidamente de Luna, perguntando-se o que acabara de acontecer.

- Cher...



Luna estava atrás dela. Tinha medo de virar-se e se depara com os puxados olhos castanhos da menina. Teriam a verdade do momento e ela não sentia vontade de conhecer a premissa naquele instante. Foi salva por Aya, que acompanha de Raquel, entrou na cozinha já tagarelando sobre o “Le Défilé d’Ouverture”.

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